A Paixão Dança
Saturday, July 01, 2006
Manual de instruções
Daí, é de ler do princípio, embora cada parte possa ter a sua graça...
2. Ela sou eu nas fotos. Ela me representa, dando imagens às minhas emoções, através das que viveu dançando. Eu, nos textos, sou eu mesmo.
3. De ler e ver, cada momento. Letra e foto, como fazem letra e música.
4. Assim é. No final, palmas para quem veio junto e viveu o que eu vivi...
Rio, Janeiro, 1996.
3. Reencontro
Chegou mas não estava,
saiu em diagonal lá pra cima,
dançava e lia, anotava, sorria,
pegando o novo como viesse.
Muxoxos e interesses.
Tudo um pouco, um certo, um talvez...
Mas o corpo preenchia suas vaguezas,
se completava, olhos e carne, ancas e alma,
no movimento, na reflexão, circunavegando-se.
E eu, atento.
4. Imagem na ação
Já lhe construí
um ninho,
ali, na hora.
Juntei os gravetos,
vieram crianças,
pus um sofá,
a geladeira,
água no fogo.
Vida caseira,
premiação,
pasmaceira,
você feliz...
eu, muito mais!
E tomei providências:
desfiz a cama,
rompi as cortinas,
deixei alguém...
Enquadrado
entre o belo
e o soturno,
me disse pronto:
fui olhar nos olhos,
roçar o braço,
falar bobagem...
Súbito, o fim
do fim
da semana.
5. Névoa
Onde você...?
A ponta do fio, aonde?
Averigüar conhecidos,
roubar telefones, endereços,
alguma coisa...
“Dá aula ali, dançava lá”,
vagas notícias.
E eu
perdigando...
8. Desvios
algumas amizades,
fotografias de fim de ano,
grandes estratégias,
oferecimentos...
Misteriosas e distantes
suas tarefas.
Alguém também
complicado também
do outro lado...
Faíscas de medo pelo corpo,
fui pra rua, perdi o rumo...
Sumi.
13. Idílio
foi a cinemas e bares,
artes e cafés.
Quase casamos
na igrejinha da mata.
Ilusões, palavras, idéias,
finamente costuradas
com fios do enxoval,
pronto, engomado,
da gaveta de casa...
Abaixo,
nos chacras,
cordéis emaranhados
esgrimiam energias,
arquiteturas de domínio,
14. Dúvidas
Dançamos, ondeando
suas curvas no vestido,
sucessivas noites e festas.
Seres iguais e diferentes,
como um par de meias rosas.
Sem a música,
os gostos e os cheiros,
cravejados de exigências,
manchavam minha cama...
Eu a deixava sem paz
e dormia em paz,
você falava com calma
e perdia sua calma.
Colávamos de volta,
antes de doer,
pedaços de sonhos
que caíam pelo chão...
15. Blues
Sem entregas,
a flor que se queria abrir
afinou garras
e aguilhoou minha alma;
o marco da conquista
deslizou e afundou
no vazio do seu corpo.
Quando eu lhe deitava
o canhestro desejo,
uma gota de tristeza
resvalava e refletia
no mármore da sua pele.
Perplexamente cruéis,
o não entregue e
o não tomado
negociaram orgasmos,
sexualizaram o verbal,
esquadrinharam o tesão,
até não conseguirem mais
do que exaurir
as possibilidades
do prazer.
16. Forum
os ecos da alma:
nem os vibradores da obsessão,
nem os bibelôs da luxúria,
vimos os empecilhos do medo.
Não transcendendo,
veio o debate, a disputa, o cansaço,
a emoção abortada
pelo aço das ações,
pelo rigor dos movimentos.
Bloqueios,
sintonias diversas,
a fala esmiuçando os atos,
atos cortando friamente os sentidos.
O infinito do sexo
era apenas um oito caído
na casa das perdas.
17. Pântanos
Destilava uma asfixia úmida,
suada nos baixios da autoestima.
De volta, áspero, o ar da distância
se alimentava e alimentava
medos mútuos.
Cigana de si mesma,
prisioneira de sua liberdade,
sua alma basca pedia espaços.
Inflada pela sofreguidão do pensamento,
ziguezagueava,
no equilíbrio do movimento das ideias,
da energia à exaustão.
Costuras, consertos, conversas,
prazos, técnicas, arranjos, mediações...
Perdido,
sabia do torvelinho
além da planura do impasse...
18. Salamaleques
A ouvidos dispersos
(mesmo os nossos),
ranhetamos
os ardis da escolha.
Mais que prender o intangível
havia que entender os mistérios.
Por que o sim, por que o não?
Como conter preso o desatado?
Camisas de força? Juras de amor?
Impaciências...
O fim pendia de gentilezas,
celebrações agonizantes,
dia dos namorados, aniversário:
deixar polidos os sentimentos,
manter a saúde mental,
sobreviver...
19. Fim
Só achei a chave
quando já tinha perdido a porta.
O mapa
não era a bússola do futuro,
mas a mandala de rotas esquecidas,
de como encontramos o desencontro.
Era uma chance...
Tentei lhe mostrar,
zanzei por ali...
Nada...
Fiquei eu na intuição
da consciência dos limites.
Tinha na mão a perplexidade
e fiz perder,
noites solteiras,
um sêmen sentido.
20. Obstrução
21. Lutos
Era minha a lágrima na missa de sétimo dia: disse adeus, quando diria sim...
A maçã expulsa do paraíso, incapazes de castrar o infinito, não vimos brotar o belo na palma da concha da mão do mundo...
Você contorcia personagens correndo sem sair do lugar, se apoderando do cenário, repetitivamente intensa...
Revolvido, pintei de branco o silêncio das paredes, encerei mil vezes o chão da consciência.
Reverente, bebi, letra e música, o sumo das canções, equilibrando a dor no caminho do meio.
O tempo rasgava...
22. Rituais
Areias e ventos...
Noturno,
eu não me movo, eu olho as mãos.
Ponho o caráter
no centro do umbigo,
dou voltas e vozes
a um reflexivo exílio.
E a coragem de criar?
E o tal do amor?
Tudo é assim, luz e papel,
como um ato fotográfico?
É mais certa a esfinge
que a resposta?
Aprendo uma lição que não sei
mas aprendo:
não está fora de mim o mundo!
Mando a timidez dos palpites,
saudades voláteis...
Coração quebrado ao meio,
faço o ofertório.
Difícil é o sacrifício...
23. Balanço
Tratei a solidão como igual.
O deserto também é um lar...
Se as areias resistem,
os ventos nunca destravam tesouros.
Agora compreendo esses medos
sinceros, ranzinzas:
apenas guardam as esquinas da pele.
Sinal verde à conexão com o inconexo,
dentro de cada um um trânsito infinito:
a liberdade do mago,
a dissolvência do ego,
a transmutação da alma.
Faltam autoescolas ao destino:
só uma direção firme e suave para ultrapassaros cômodos limites
da inércia.
Matéria dos ninhos e dos sonhos,
água e ar não se misturam,
transpassam.
Que fale o silêncio.
24. Conformidades
Tudo tem seu cabimento!
Mostra a mestra:
do sono se sai pelo lado,
o corpo espreguiçado e solto.
Sempre se ganha, clamam as filosofias...
Eu não duvido, um pouco pasmo.
Torres serão fulminadas,
vamos todos ao chão do chão,
mas não é lá que as obras se constroem?
A moral que se retira
só existirá em uma outra história.
A fábula é só pra me reconquistar...
Que afinal tudo termine em arte,
melhor que o país,
que a vida não é assim tão séria
quanto eu...
Boca de cena,
altas luzes,
música no ar...
A paixão dança.
Fim
Nas fotos...
Simone Gomes, jornalista, dançarina e professora da Escola Angel Vianna, dançando nos balés “Ele não se move, ele olha as mãos”, “Moosbrugger Dances” e “Areias e Ventos”, no Teatro Glória, novembro/dezembro de 1995, com a Companhia Atores Bailarinos, coreografada por Regina Miranda.
No item 16. Forum, ao fundo, o ator Jitman Vibranovski.
A Paixão Dança > Contracapa
Este material foi produzido no segundo semestre de 1995.
Primeiro trabalho do autor no formato “texto & foto” (padrão desenvolvido mais tarde nos “fotextos” da série Personagem), é o único da série Livri em que os textos vieram antes das fotos.
>>> A série Livri e outras histórias
Outros trabalhos do autor, da série Livri (e mais):
XVI Concurso Nacional de Contos José Cândido de Carvalho, 2006;
Concurso Literário Teixeira e Souza (Cabo Frio-RJ, 2007).
8 > Esses Sexos...
Outras publicações na Internet >
1 > Vida Lida
com fotos e depoimentos
de grandes fotojornalistas brasileiros.
3 > A Foto Histórica
(e suas histórias) no Brasil
Projeto contemplado com o
Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia - 2010
---
E as publicações em livro:
2 > Rio de Amores
livro de contos com dois bons e justos motivos:
o amor e o Rio de Janeiro
3 > O Jogo do Resta Um
quase histórico, pouco político,
meio filosófico, muito econômico
4 > "2112 ...é o fim!"
O Brasil caindo nos crônicos contos de um futuro mal passado...
Todo este material está disponível em computadores ligados à Internet, embora não se saiba bem como muita gente vai chegar até ele...
O autor conta com (e agradece) a colaboração dos leitores pelo repasse e indicação a seus respectivos contatos.
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>>> Avaliação livri
Como sabemos (ou não?...), não é fácil publicar.
De certa maneira, um livri se filia à velha tradição das publicações independentes de contato direto com o público.
Caso o leitor valorize este trabalho e queira dar uma nota (de um a dez, que deduz-se o zero...), favor depositar a nota na conta...
...avaliação esta que perdeu o sentido, na prática, com o tempo.
Grato.